Capítulo da Misericórdia – 2º dia


O segundo dia do Capítulo da Misericórdia foi todo dedicado à reflexão do Tema “A Misericórdia em Jesus e em Maria”.

Iniciamos o dia com a oração de Laudes, à qual fomos convidadas a perceber a ação misericordiosa de Deus em nós, através de Jesus, o rosto da misericórdia do Pai e a presença do Espírito Santo que nos envia os seus dons.

Depois do café da manhã tivemos a grande satisfação e alegria de ouvirmos a reflexão proposta pelo nosso amigo e irmão, Frei Raimundo J. de O. Castro, vice ecônomo provincial, assistente da Federação das Clarissas e ecônomo.

Com muita simplicidade, profundidade, propriedade e convicção ele foi conduzindo a temática. Deixou claro que a sua reflexão estava ancorada na Bula de proclamação do jubileu extraordinário da misericórdia, Misericordiae Vultus, do Papa Francisco e também a partir de uma Leitura Orante do renomado Teólogo e escritor, Dom Bruno Forte.

Frei Raimundo dividiu o tema em dois momentos: A Misericórdia do Pai e o Rosto misericordioso de Maria. Descrevemos aqui um resumo de todo o seu diálogo fraterno com as participantes, como quis definir o momento:

A passagem que define que Jesus é o rosto da Misericórdia do Pai é “Sede misericordiosos como você, Pai o é”(Lc 6,36).

Com isso ele nos dá uma tarefa: sermos misericordiosos como o Pai o é. Não é algo que já somos, mas é algo que possamos vir a ser. Vai depender de cada uma de nós, pois ele disse que o Pai o é. E se Ele o é, nos mostra que podemos ser. É algo mais do que querer; tem que ser um desejo que me leva até Deus. Nós também somos chamadas a ser este rosto. Não é um rosto abstrato; é um rosto que comporta os nossos vícios e virtudes, como eu sou em essência. É o convite a transformar em misericórdia.

A misericórdia é MISTÉRIO: Somos chamadas a contemplar, admirar o mistério da misericórdia e encantar-se com ele. E, o mistério se revela no “ponto de partida”, segundo a espiritualidade de Santa clara, quando ‘eu’ estou encantada.

Para transformar a vida eu preciso de encanto e admiração e fervor, por isso é chamado mistério.

Isso acontece no ponto de partida, quando eu estou recomeçando. Na vida franciscana vemos um exemplo em Santa clara no ponto de partida é muito intensa.

O Mistério da Misericórdia é fonte de alegria, admiração, encanto. Nos serenidade e paz, mas acima de tudo alegria que barra o medo a dá coragem e a força. O evangelho é sempre anúncio de alegria. A alegria nos tira o medo, pois o medo nos paralisa. E Deus só vem a nós nesta dinâmica da alegria.

Por que tudo isso? Porque é a través da misericórdia que Deus vem ao nosso encontro em Jesus Cristo. Ela tem sua morada no coração de Deus – coração de Jesus. Precisamos ir até a casa da misericórdia. Precisamos descobrir ONDE É A MORADA DA MISERICÓRDIA?

Ela mora no coração do Pai e no coração do Filho e, mora no coração de cada uma de nós uma vez que nós somos desdobramento do Filho que assumiu a nossa condição humana. E, como consequência, mora no coração humano, possibilitando-nos sermos, também nós, misericordiosas.

Como Francisco no livro do “SACRUM COMMERCIUM” aliança de são Francisco com a senhora pobreza, que pedia que lhe indicasse onde morava a Pobreza: “Quando chegou junto deles, o bem-aventurado Francisco lhes disse: ‘Indicai-me, por favor, onde mora a senhora Pobreza, onde apascenta, onde se deita ao meio-dia (cfr. Ct 1,6), porque estou doente de amor por ela’ (cfr. Ct 2,5). Mas eles responderam dizendo: ‘Bom irmão, nós estamos sentados aqui por um tempo, e dois tempos e metade de um tempo (cfr. Dn 7,25; 12,7; Ap 12,14), e a vimos passar frequentemente, porque muitos a buscavam. Às vezes, eram muitos os que a acompanhavam, mas muitas vezes ela voltava sozinha e nua, sem nenhum enfeite de joias (cfr. Is 61,10), sem se distinguir por nenhum acompanhante, sem vestir roupa alguma. Chorava muito amargamente, e dizia: Os filhos de minha mãe lutaram contra mim (Ct 1,5)’. E nós lhe dizíamos: ‘Tem paciência (cfr. Mt 18,26), que os retos te amam (cfr. Ct 1,3)’ (SC 2,9)”, também nós Franciscanas precisamos descobrir aonde mora a misericórdia. E para buscá-la precisamos percorrer o caminho das praças, vilas e perguntar aonde mora a misericórdia e se alguém a encontrou.

A misericórdia é CAMINHO. Ela leva Deus até a humanidade e leva a humanidade até Deus. E Jesus se faz caminho; Ele abriu um caminho, vindo até nós na encarnação. Da mesma forma é necessário nós irmos até Ele percorrendo este mesmo caminho.

Ela é caminho, verdade de vida, mas é também a nossa FÉ E a nossa ESPERANÇA. Como fica uma pessoa sem fé e sem esperança? Sem elas não nos damos conta de que Jesus, através do Pai, veio a nós e nós não vamos a Ele.

Na espiritualidade franciscana a misericórdia é sempre perceber que “Deus nos amou por primeiro”: Encarnação – Eucaristia – Morte/Ressurreição. Deus sai de si, vem a nós e nos ama embora sejamos frágeis, pobres, pecadores.

Deus em Jesus Cristo a todo instante nos ama. O problema nosso é dar-nos conta que tem Alguém nos amando profunda, intensa e incondicionalmente. Não nos permitimos viver esta experiência de sermos amadas. Amar é doar-se por inteiro. Quem ama perdoa e é por isso que Deus nos perdoa em todas as nossas quedas; Deus é bom e acolhe a nossa fraqueza. Assim no perdão de Deus não há fragilidade, mas atitude de presença, providência, daquele que é próximo. Deus é misericordioso e compassivo; sua misericórdia se encontra no seu ser bom e “onipotente bom Senhor”, como nos exclamava Francisco. Sua bondade prevalece sobre nosso pecado. É inesgotável a bondade e o perdão de Deus. Sendo assim a bondade de Deus prevalece sobre toda a nossa fragilidade e mostra-se uma realidade concreta e não abstrata.

O que moveu Jesus a curar corações atribulados e enfaixar feridas? Por que ele cura os cegos? Ampara os frágeis, os humildes? Protege o estrangeiro? Devolve a vida ao filho da viúva? Sacia fome de uma multidão com poucos pães e peixes? Ama os justos. Todas essas atitudes que Ele fez, movido unicamente pela misericórdia que está Nele, que é Ele. É próprio de Deus ser misericordioso. A misericórdia é palpável e visível em toda a vida de Jesus.

À misericórdia também é um caminho que FAZ HISTÓRIA, mas não qualquer história; faz uma história de amor entre Deus e a humanidade. É uma história de ENCONTRO. A linguagem Papa Francisco é muito a do ir ao encontro. Deus é desejoso de encontrar-se com a humanidade. Mas a humanidade deve ter disposição de querer ir ao encontro. Nós temos esse desejo profundo do encontrar-se com o “Amor”, não mais visível em Jesus Cristo, mas nas pessoas, no IRMÃO, na IRMÃ. A nossa questão deve ser: buscar a Jesus no irmão… Estar na dinâmica do encontro. Nosso Deus é concreto e está no irmão e na irmã. Acontece aqui na terra, mas tem gosto de eternidade.

Não existe espaço de tempo onde não estaremos sobre o olhar misericordioso de Deus. E este olhar nos provoca a olharmos para Ele. É medida nossa, o olhar fixo nEle. Na espiritualidade nossos são os vícios e os pecados. O mais vem da graça e generosidade de Deus. Tudo em Deus/Jesus fala de misericórdia; não há nada que seja desprovido de misericórdia e compaixão. A minha participação na salvação é a acolhida, mas nem isso é mérito ainda é GRAÇA.

Misericórdia tem tudo a ver com ORAÇÃO. Isso se manifesta na escolha dos discípulos. Primeiro ele vai ao monte e reza. A misericórdia anda de mãos dadas com a oração. Os discípulos são chamados depois de Jesus passar a noite em oração. Jesus fita os olhos e chama. O olhar de Jesus é misericordioso. Com este olhar Ele transforma um homem injusto em justo. Foi assim com o apóstolo Mateus: passa diante da banca; fixa o Seu olhar no de Mateus – olhar misericordioso e cura o cobrador injusto e o transforma. Exemplo do “bom ladrão”. Tudo isso depende da abertura do nosso coração. É necessário que eu me abra à graça. O convite é encontrarmos com o irmão da forma como ele é. Como Deus me apresenta o meu irmão e não como eu gostaria que ele fosse.

Existem várias parábolas que falam da misericórdia. Uma delas é a do Pai Misericordioso (Lc 15, 11-320). Em um trecho desta parábola diz que o Pai sempre olha para o horizonte. Isso mostra que o Pai nunca se dá por vencido, ele sempre nos busca e espera. Permitiu que o filho mais moço fizesse o que quisesse para que vivesse a sua plenitude, mas ficou aberto para acolhê-lo. A esperança do Pai é de que o filho enxergue o que está sendo errado e volte. Eu peco e faço inúmeras coisas erradas, mas enquanto Ele não me resgatar Ele não desistirá. Vai ao encontro dos dois com a mesa atitude de misericórdia. O filho fica bravo quando o Pai acolhe o que volta e devolve a dignidade a este que tinha saído. Novamente o pai sai da festa e vai acolher o filho que não saiu de casa; acolhe-o também e o convida a entrar para a festa. O pai não desiste em nenhum momento de nenhum dos dois filhos. Ele não se dá por vencido. Na vida religiosa nós costumamos agir com dureza nos dois casos, pois não colocamos em ação a misericórdia e a esperança de que a transformação é possível.

Evangelho da Visita de Maria a Isabel (Lc 1,39-56) foi inspiração para escrever o que será dito sobre Maria. Tudo será permeado sob a ótica franciscana.

Dentro da ordem Franciscana, Maria é a Rainha. Francisco sempre recorria a ela para chegar ao Pai. É muito significativa a figura de Maria com todas as orações que são compostas para ela. A ordem franciscana é Mariana. Seríamos mancos sem esta devoção.

– A primeira atitude misericordiosa de Maria é o rosto da ATENÇÃO. Maria dirige-se a casa de Isabel, pois compreendeu a necessidade da mulher grávida, e ainda, em idade avançada. Ela sai de si, sai de sua zona de conforto e se antecipa; não aguarda por pedidos de socorro. O seu olhar e seu coração é cheio de amor; compreende, enxerga a necessidade para além de sinais/comunicação verbal. Maria é antecipação vigilante, disponível para o outro; sensibilidade. Ela se doa sem esperar recompensa.

– A segunda atitude misericordiosa de Maria é o rosto da atenção que se une a INTELIGÊNCIA DO AMOR. Ela, indo ao encontro de Isabel, mostrou uma grande capacidade de ouvir e compreender o mistério do outro. Ao mistério do outro corresponde com gestos (sair de si) e significados (entende, não pergunta, entra no mistério). Não é dado a questionamentos inúteis e nem a fofocas. Ela não enquadra Isabel em esquemas, simplesmente sai e faz e deixa que o ser se sobreponha ao fazer. A misericórdia de Maria se expressa como inteligência do amor porque é concreta e visa o que é bom para o outro, sem subterfúgios, sem álibis e nem fugas. Aqui mora o perigo na Vida Religiosa consagrada, pois nós os utilizamos. Precisamos tomar cuidado com relação a isso, se quisermos que nossas relações sejam verdadeiramente misericordiosas.

– A terceira atitude misericordiosa de Maria é o rosto APRESSADAMENTE, às pressas, ou seja, a solicitude com que Maria concretiza a decisão do coração de ir em auxilio a mãe de João é realmente de total gratuidade. Pressa aqui, não é precipitação, ativismo e sim pressa que é fruto do amor do coração humano que ouve, acolhe e encontra o Senhor, seu amado. A “pressa” de Maria foi sempre em vista das coisas de Deus. Nós, muitas vezes, agimos apressadamente para as nossas coisas pessoais, nossos interesses; e estes nem sempre são os interesses de Deus. Nossa pressa, portanto, deve ser para Deus e não para as coisas. Tudo deve ter sabor da pressa de Maria, que é uma atitude totalmente misericordiosa.

– A quarto atitude misericordiosa de Maria é o rosto da ALEGRIA. A sua visita a Isabel é movido por um amor  que contagia e irradia. Em Maria tudo é gratuidade. Maria não esconde a necessidade de amar; corresponde ao amor recebido. Ela dá gratuitamente o que recebeu de graça. A graça divina. Esta visita enche Isabel de alegria porque corresponde a graça que ela recebeu. A alegria de quem acolhe a graça, ou seja, quando recebemos gratuitamente a graça divina devemos devolver para o outro na atitude de amar. A alegria de Maria não era de barulhos, de festas, mas do acolhimento do outro.

– A quinta atitude misericordiosa de Maria é o rosto de TERNURA. Tudo em Maria se dá na ternura.Isabel e o Menino são inundados de alegria terna, de ternura, de acolhida, de dentro. A ternura é própria do amor que não cria distâncias, mas aproxima os afastados, faz sentirem-se acolhidos. “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha me visitar”? “Com sua saudação a alegria se alegrou em meu ventre”. Ternura é dar com alegria; ela suscita, provoca alegria no amado e contagia a paz.

– A sexta atitude misericordiosa de Maria é o DOM. Ela tudo oferece, dá de si, nada pede em troca, nada quer do outro senão SERVIR. Maria, através do dom de si mesma nos ensina que a graça divina é serviço. A misericórdia Maria é gratuita não tem explicação e é desdobramento do amor de Deus por nós, irradia e contagia.

– A sétima atitude misericordiosa de Maria, mostra um rosto que é também SILÊNCIO. Os evangelhos não narram o que Isabel e Maria conversaram enquanto estavam juntas por três meses. Neste tempo celebra a misericórdia que o Pai Eterno iniciou em seu ventre; celebra assim as maravilhas que o Senhor fez em seu benefício, ou seja, “o primado da verdade sobre a aparência”. Seu silêncio nos leva a essência – razão primeira – da encarnação do Verbo: contemplação e mística.

Concluindo a reflexão Fr. Raimundo disse que a misericórdia de Maria nos interroga. E deixou alguns questionamentos para a interiorização e confronto pessoal:

– Como é nossa atenção? Somos atentos às necessidades do outro?

– Vivemos a inteligência do amor que não permanece nas aparências, mas escuta o coração?

– Como é nossa alegria e o que fazemos com ela? Vivo a alegria de ser amada pelo Pai, Jesus e meu Próximo?

– Como somos em nossas relações? São permeadas de sensibilidade, de respeito e de atenção?

– O que move as nossas escolas é a gratuidade ou recompensa?

– Procuro redescobrir Deus no silêncio e reconheço as maravilhas de Deus atuando na minha vida?

Como ápice desta profunda reflexão, celebramos a Eucaristia, num clima de profunda alegria, gratidão e aquilo que é a Eucaristia: Ação de Graças.

Concluímos os trabalhos da manhã com a ágape da fraternidade, no almoço que nos aguardava.

Na parte da tarde, fomos convidadas pela superiora Provincial a fazermos fraternalmente a Partilha das nossas experiências de Misericórdia. Foi um momento emocionante, permeado de abertura fraterna, de respeito, de acolhida palas experiências contadas e recontadas por algumas irmãs.

Depois, alargou-se o Capítulo da Misericórdia porque nos conectamos através de Vídeo Conferência com as nossas Irmãs da Itália, da Albânia e da África. Podemos conversar, nos apresentar umas às outras e ouvir a Palavra da Custódia Maior, Irmã Ester Pinca.

No final da tarde, tivemos mais um momento forte de oração e adoração ao Santíssimo Sacramento com a Vigília de PENTECOSTES; noite em que toda a Igreja invoca a presença do Espírito Santo. Pedimos que viesse sobre nós o mesmo Espírito Santo que desceu sobre os discípulos reunidos no cenáculo juntamente com Maria Santíssima.

Acolhemos, simbolicamente, os sete dons do Espírito Santo a nos acompanhar e orientar o nosso viver e o agir do Instituto. Muito silêncio, muita adoração, muita piedade e unção nos envolveu durante toda a celebração.

E, como não pode faltar na vida Fraterna Franciscana o lazer e a diversão, à noite tivemos o nosso grande momento RECREATIVO, embaladas pelos festejos juninos, festa típica no Brasil. Com trajes, comidas, músicas e brincadeiras típicas dançamos e nos divertimos muito. “Eita Arraiá da Misericórdia bão, sô!”


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