A noção do progresso verdadeiro na Encíclica Laudato Si’


A recente encíclica do papa #Cuidado criação6Francisco, Laudato Si’, é uma valiosa oportunidade para refletirmos sobre a busca de “outras maneiras de entender a economia e o progresso”, uma das questões que “nunca se encerram nem se abandonam, mas se retomam e enriquecem constantemente” (nº 16). Ela coloca a questão do progresso na perspectiva da “ecologia integral”

O texto enfatiza o aumento da consciência que elimina a “confiança irracional no progresso” (nº 19), ressaltando que o crescimento econômico e o progresso tecnológico dos últimos dois séculos não significaram “um verdadeiro progresso integral e uma melhor qualidade de vida”, mas levaram também a uma “verdadeira degradação social”, a uma “ruptura silenciosa dos laços de integração e de comunhão social” (nº 46).

A encíclica põe a questão do progresso na perspectiva de uma “ecologia integral”, em que múltiplas dimensões se articulam num horizonte antropológico complexo: “a ecologia integral exige abertura a categorias que transcendem a linguagem das ciências exatas e biológicas e se conectam com a essência do homem” (nº 11). Nessa ecologia “integral”, a própria natureza aparece como um todo complexo e integrado que deve ser conhecido de modo complexo e integrado, evitando não só o relativismo descompromissado como também o reducionismo orgulhoso. Nenhuma ciência pode fornecer sozinha um conhecimento verdadeiro: “uma ciência que pretenda oferecer soluções para os grandes temas deve necessariamente levar em conta tudo o que o conhecimento produziu nas outras áreas do saber, incluindo a filosofia e a ética social” (nº 112).

Esta visão complexa evita as posições extremas tanto da exaltação acrítica do progresso quanto da igualmente acrítica condenação de toda ação humana sobre o mundo: “Num extremo, alguns sustentam a todo custo o mito do progresso e afirmam que os problemas ecológicos serão resolvidos simplesmente com novas aplicações técnicas, sem considerações de ordem ética nem mudanças de fundo. No outro extremo, alguns sustentam que a espécie humana, com qualquer intervenção que faz, é uma ameaça ao ecossistema global, devendo-se por isto reduzir a sua presença no planeta e impedir todo tipo de intervenção. Entre esses dois extremos, a reflexão deve identificar possíveis cenários futuros, porque não há só uma via de solução. Isto abriria espaço para uma variedade de contribuições que poderiam entrar em diálogo na busca de respostas integrais” (nº 60).

Uma posição equilibrada deriva da “desmistificação da natureza”, proposta pelo pensamento judaico-cristão: “Se reconhecemos o valor e a fragilidade da natureza e, ao mesmo tempo, as capacidades que o Criador nos deu, isso nos permite pôr fim ao mito moderno do progresso material ilimitado. Um mundo frágil, com um ser humano a quem Deus confia o seu cuidado, desafia a nossa inteligência para reconhecermos como orientar, cultivar e limitar o nosso poder” (nº 78).

A fé ilimitada no progresso é típica do homem moderno, incapaz de combinar o poder e a consciência dos limites; citando repetidamente “O fim da era moderna”, de Romano Guardini, o papa Francisco escreve: “Tende-se a crer que ‘toda conquista de poder é simplesmente progresso, aumento de segurança, de utilidade, de bem-estar, de vitalidade, de plenitude de valores’, como se a realidade, o bem e a verdade surgissem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia. O fato é que ‘o homem moderno não foi educado para o uso adequado do poder’, porque o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado pelo desenvolvimento do ser humano no que diz respeito à responsabilidade, aos valores e à consciência” (nº 105).

Em especial, “a sua liberdade adoece quando se rende às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da violência brutal. Neste sentido, o homem está nu e exposto diante do seu próprio poder que continua a crescer, mas sem ter as ferramentas para controlá-lo. Falta-lhe uma ética adequadamente sólida, uma cultura e uma espiritualidade que realmente lhe deem um limite e o contenham dentro de um lúcido autodomínio” (nº 105).

Mas a liberdade humana também é capaz de ampliar a nossa visão e avaliar os nossos limites: “É possível, no entanto, alargar de novo o olhar, e a liberdade humana é capaz de limitar a técnica, de orientá-la e colocá-la a serviço de outro tipo de progresso, mais saudável, mais humano, mais social e mais integral” (nº 112).

A mentira de que o progresso econômico carregue automaticamente a felicidade é cada vez mais clara: o progresso da ciência e da tecnologia não é equivalente ao progresso da humanidade e da história; são outras as estradas para um futuro feliz, mas é difícil parar para recuperar a profundidade da vida (cf. nº 113). A encíclica, no entanto, convida a “não nos resignarmos e não desistir de nos fazer perguntas sobre os propósitos e o sentido de cada coisa. Do contrário, só legitimaremos o status quo e precisaremos de mais substitutos para suportar o vazio” (nº 113).

É necessária uma “revolução cultural corajosa” (nº 114): “Ninguém quer voltar às cavernas, mas é essencial diminuir a marcha para olhar a realidade de maneira diferente, observar os desenvolvimentos positivos e sustentáveis e recuperar os valores e os grandes propósitos destruídos por um desenfreio megalomaníaco” (nº 114).

O homem e seu trabalho devem ser o ponto de vista dessa perspectiva mais ampla: é necessário “investir nas pessoas” (nº 128).

Precisamos, assim, de “novos modelos de progresso” (nº 194) que não sejam simplesmente “diplomáticas terceiras vias”: “Não é suficiente conciliar o cuidado da natureza com a renda financeira, ou a preservação do ambiente com o progresso. É preciso redefinir o progresso. Um desenvolvimento tecnológico e econômico que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior não pode ser considerado progresso” (nº 194). Para esta “redefinição” do progresso, é fundamental a educação (nº 209), uma “educação ambiental” ampla e integral, que inclui também “uma crítica aos mitos da modernidade baseados na razão instrumental (o individualismo, o progresso indefinido, a competição, o consumismo, o mercado sem regras)” (nº 210).

O verdadeiro progresso é esperado de todos “os diferentes níveis de equilíbrio ecológico: o interior, o solidário aos outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus” (nº 210).

Nesse caminho cultural e educativo para uma verdadeira noção de progresso, é essencial também a busca da beleza: “A libertação do paradigma tecnocrático vigente acontece em algumas ocasiões […] quando a busca criativa da beleza e a sua contemplação são capazes de superar o poder objetivamente em um tipo de salvação que se realiza no belo e na pessoa que o contempla” (nº 112).

Fonte: ZENIT.org,  Roma, 31 de Agosto de 2015


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