Informação nossa de cada dia


INFORMAÇÃO NOSSA DE CADA DIAO universo da Internet – com suas inúmeras redes social e suas mil possibilidades de contato, comunicação e interação – representa hoje um poderoso símbolo de inclusão social. A tal ponto que as pessoas impossibilitadas de acesso a esse mundo deslumbrante e encantado constituem uma nova categoria dentro da exclusão social: os excluídos virtuais. A revolução informática em geral, e a Internet em particular, representam igualmente uma espantosa aceleração do tempo, bem como a abolição das distâncias. Com isso o termo notícia, nos dias que correm, é sinônimo de informação imediata, simultânea aos fatos, “em tempo” ou “ao vivo”.

Disso resulta que nada é mais velho que o jornal de ontem, da mesma forma que as ocorrências transmitidas pela manhã tornam-se, pela tarde, ou recicladas ou simplesmente indigestas. Quem se dispõe a acompanhar, ainda que de forma superficial, o noticiário quotidiano anseia por algo novo e inédito a todo o momento. E sente-se frustrado quando suas expectativas não se confirmam. A novidade, seja ela qual for e venha de onde vier, é a única coisa que interessa. Tornamo-nos quase tão sedentos e necessitados de “coisas novas” como de água, ar ou comida. Reportagens de caráter educativo, documentários especiais, programas um pouco mais elaborados e reflexivos, uma viagem pela história e pela tradição cultural de determinado país – tudo isso foi desbancado pelo poder, o fascínio e a sedução da novidade instantânea.

Empanturramo-nos com uma avalanche diária de fatos e botos, versões e interpretações, cada uma mais espetacular e sensacional que a outra. A consequência lógica é que não há tempo para digeri-las de forma crítica e adequada. Semelhante aceleração e atropelo do tempo e da história nos remetem a uma pertinente observação de Henry Lefebvre, na passagem dos anos 1970 para 1980. Segundo esse sociólogo francês, o processo formativo de qualquer ser humano comporta três estágios essenciais e entrelaçados: dimensão informacional, dimensão reflexiva e dimensão relacional (Cfr. LEFEBVRE, Henry, Sociologia da vida cotidiana).

O primeiro estágio – dimensão informacional – tem a ver com o volume de informações que recebemos pelas mais diferentes vias: as conversas de rua, o rádio, a televisão, o jornal, as revista e demais periódicos, a Internet, etc. Esse volume tem crescido de tal forma nas últimas décadas que, atualmente, tornou-se impossível acompanhar os acontecimentos, ainda que de forma superficial. Menos ainda ruminar sobre eles, buscando algum sentido que os interligue. A quantidade sem precedentes das informações atropela qualquer tentativa de qualificá-las, selecioná-las, estabelecer certa hierarquia ou prioridade. Chega-se a uma verdadeira banalização da informação: satura, entorpece e cega!…

Em segundo lugar – dimensão reflexiva – é o estágio que consiste justamente na capacidade de criar um juízo crítico frente a essa “tempestade” ininterrupta de notícias. Aqui outro dado entra em cena: na pressa e diária, particularmente intensa no universo urbano, as multidões se convertem numa espécie de correnteza semelhante às águas de um rio. Não há tempo para parar e escutar no sentido de, só então, emitir o próprio parecer. Em meio aos ruídos das metrópoles, os ouvidos perdem sua sensibilidade. Todos falam, correm e gritam, mas ninguém é capaz de se fazer ouvir. A faculdade crítico-reflexiva vê-se atrofiada diante das exigências cada vez mais imediatas do dia a dia.

Por último – dimensão relacional – é o estágio que aponta para o diálogo com outras visões de mundo. Trata-se de responder a uma simples pergunta e direta: até que ponto nos dispomos a confrontar entre si o “nosso saber” em relação a “outros saberes”, na busca de um aprendizado recíproco? Neste caso, mais que uma atitude de abertura, compreensão e reconhecimento, prevalece o medo e/ou discriminação e agressividade frente ao “outro, o estrangeiro, o diferente”. Em lugar de comunidades (caracterizadas pelo pluralismo e a mútua aceitação), predominam os guetos (marcados pelo fechamento e a autodefesa). De fato, o acirramento das identidades locais, territoriais, étnicas, religiosas, linguísticas e históricas, não raro hostil e de cunho fundamentalista, aparece com o outro lado da moeda no processo de generalizado da globalização.

Com esse esquema dos três estágios, Lefebvre constava há mais de 30 anos que a dimensão informacional, devido à quantidade avassaladora de notícias que diariamente batem à nossa porta, tornou-se tão imperativa que não deixa espaço às outras duas dimensões, reflexiva e relacional. Em outras palavras, tal quantidade se sobrepõe, primeiramente, à necessidade de parar, selecionar e refletir sobre o que vemos, ouvimos e sentimos. Isto é, sobrepõe-se ao processo de formação de um juízo crítico e, consequentemente, à formação de uma opinião pessoal, própria e madura. Tornamo-nos nada mais e nada menos do que “correias de transmissão” da opinião pública, da mídia, do senso comum, vale dizer, alto-falantes ou marionetes de quem detém os meios de informação e de comunicação de massa. Meios que, em não poucos casos, representam o chamado “quarto poder”.

Por outro lado, o mesmo excesso de informações que rondam nossas vidas e nossas casas também não deixa espaço para uma relação dialogante com outros tipos de saber e outras visões de mundo. O rumor ensurdecedor das notícias parece embrutecer a sensibilidade para com a presença do “outro” – com seus valores e tradições histórico-culturais. O espetáculo estridente das novidades martela constantemente nossos ouvidos e nossas mentes, impossibilitando-nos de sentir as vozes que chegam “de fora”. Além disso, mesmo na hipótese dessa possibilidade manter-se aberta, não são muitos os que estão dispostos a confrontar-se com valores distintos.

Disso resulta um duplo empobrecimento: de um lado, impedimos a nós mesmos de reconhecer visões alternativas, que podem abrir janelas a horizontes novos; de outro, deitamos a perder uma possibilidade sem parar de mirar num espelho diverso daquele que nos é familiar e que, por isso mesmo, poderia nos interpelar e nos ajudar a corrigir determinados vícios inerentes a todo saber e toda cultura. Numa palavra, desperdiçamos a oportunidade de um recíproco enriquecimento e crescimento, os quais, diga-se de passagem, jamais ocorrem sem dor e sem renúncia.

É nesta perspectiva do confronto com a “alteridade” que o estrangeirou ou imigrante deve ser considerando não um problema ou invasor (visão fortemente associada aos governos, autoridades e à grande mídia), mas precisamente como uma oportunidade para um processo interativo de depuração, purificação e crescimento do patrimônio cultural da humanidade como um todo.

Pe. Alfredo J. Gonçalves – Assessor das Pastorais Sociais de Belo Horizonte


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