Vida: Dom e compromisso


 “E quando te aproximares para confessar os teus pecados, crê firmemente na sua misericórdia que te liberta de toda a culpa. Contempla o seu sangue derramado pelo grande amor que te tem e deixa-te purificar por ele. Assim, poderás renascer sempre de novo» (Christus vivit n. 123).

 

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano, Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso, “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”(Lc 10,33-34), nos ajuda a refletir sobre o significado mais profundo da vida em suas diversas dimensões: pessoal, comunitária, social e ecológica. Nos mostrando que não basta apenas nos aproximar de quem precisa de ajuda, é necessário fazer algo a mais; olhar com compaixão como fez o bom samaritano e cuidar, “descer da montaria e conduzir a hospedagem”(Cf.Texto Base n 164).

Olhar com compaixão significa ter misericórdia, acolher a miséria do irmão no nosso coração e compadecer-se. Desta forma, podemos experimentar com maior propriedade a misericórdia de Deus na nossa vida. E, a quaresma, é o tempo propicio para refletirmos sobre o sentido da misericórdia. O Teólogo da libertação Leonardo Boff escreve que: “Para Jesus não bastava ser bom. Tinha que ser misericordioso. Só assim seria plenamente humano. O Deus que anunciava era um Pai Bom, mas principalmente era um Pai misericordioso. Sentir a dor do outro, abaixar-se até o seu nível e compreender sua vulnerabilidade sem logo julgá-la, constituía a originalidade de sua mensagem”.

No olhar franciscano a compaixão e a misericórdia caminham juntas e devem fazer parte do amor cristão e, sobretudo, franciscano, “O percurso de conversão de Francisco está carregado de marcas e experiências importantes. Desde o seu lugar, desde a sua família, ele passou por rupturas e mudanças pessoais sensíveis. As rupturas familiares, as renúncias aos prazeres da juventude, o abandono do círculo de amigos, os refúgios nos lugares solitários. Tudo isso são reflexos das mudanças internas e externas de Francisco.”

A misericórdia é um jeito de andar na contramão das relações formais e preestabelecidas. Ser misericordioso implica uma mudança de mentalidade, um modo de entender e sentir a realidade e o mundo. Compreende um olhar diferente, não a partir de um lugar geográfico ou social, mas a partir de um amor desinteressado e generoso.

Buscando este olhar de misericórdia devemos observar com atenção a postura do Samaritano, pois esta postura contém o centro do ensinamento de Jesus: o próximo não é apenas alguém com quem possuímos vínculos, mas todo aquele de quem nos aproximamos e olhamos com misericórdia. Deus nos chama nesta quaresma a transformar nosso coração, buscar crescer na capacidade de sentir compaixão, buscar ser obediente à vontade de Deus, que ama toda a criação.

Lembrando que a Parábola do Bom Samaritano responde com clareza a pergunta que precede a narrativa de Jesus:“Quem é o meu próximo? ” (Lc 10,29). Jesus responde que o próximo é todo aquele que necessita de amparo, independentemente de quem seja. Esse próximo, pode ser um amigo, familiar ou conhecido, mas também pode ser alguém mais distante do nosso meio social, às vezes um estranho, alguém que não é atraente aos nossos interesses. Por este motivo, o ponto principal não é se perguntar Quem é o meu próximo? ”. A pergunta correta deveria ser: “Eu estou sendo um bom próximo para os necessitados ao meu redor?”.

Portanto, busquemos neste tempo forte da quaresma, sobretudo, e especificamente neste tempo em vivemos a angustia e o medo desta doença que assola a humanidade chamada Coronavírus (COVID-19) e que tem tirado a vida de tantos, tantos, indistintamente, no mundo todo. É claro que o medo de uns, o sofrimento de outros e a imprudência de alguns nos torna cada dia mais vulneráveis a esta doença e a tantas outras que desconhecemos. Mas este não é o momento de desanimar, é preciso crescer na fé e na esperança. Deus é nossa esperança, é ELE nossa força. “Porque os montes se retirarão, e os outeiros serão abalados; porém a minha benignidade não se apartará de ti, e a aliança da minha paz não mudará, diz o Senhor que se compadece de ti”(Is 54,10).

Com esta confiança no Deus da esperança, precisamos mais do que nunca viver os valores próprios deste tempo de quaresma, como o jejum, o qual somos convidados a unirmo-nos à dor dos que sofrem pela fome e pela falta de higiene e de vida digna; aqueles que estão mais expostos a esta e tantas outras doenças. A oração, que nos ajuda a viver o diálogo de amor e amizade com Deus, e nos aproxima daqueles que sofrem e precisam da nossa intercessão. A esmola que traduz a partilha de vida, o cuidado amoroso com aqueles que precisam da nossa ajuda solidária, a partilha do pão e dos dons, este espirito de solidariedade que nasce da liberdade e da renúncia.

Deste modo, Jesus termina a Parábola do Bom Samaritano perguntando ao doutor da Lei, quem provou ser o próximo do homem ferido. O estudioso teve de dizer que foi o homem que teve piedade dele, isto é, o bom samaritano. Então Jesus concluiu:“Vá e continue fazendo o mesmo”(Lc 10,37). Esta é a ordem de Jesus, ‘vai e faze o mesmo’; este é o grande compromisso desta quaresma: nos tornarmos bons samaritanos para todos aqueles que se aproximam de nós e precisam do nosso olhar de compaixão. Sem esquecer de que, a primeira pergunta, foi de que modo obter a vida ete

rna. E na Parábola em questao, Jesus indica que guardar a Lei do Senhor, cujo princípio básico é o amor a Deus seg

uido pelo amor ao próximo, é um comportamento que caracteriza aqueles que são herdeiros da vida eterna. Neste sentid

o o significado da Parábola do Bom Samaritano pode ser resumido no conselho de Tiago:“Tornai-vos, pois, praticantes da Palavra, e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1,22).

Minhas irmãs e todos aqueles que nos acompanham pelas redes sociais, Deus seja sempre a vossa força, não desanimem, sede praticantes da lei de Deus, ouvi atento a sua palavra e sede vós os bons samaritanos de nosso tempo.

Deixemo-nos tocar pelo silêncio, pela “solidão”, pela ausência da participação comunitária da celebração Eucarística deste tempo de Coronavírus e, encontremos nisso tudo um novo e fecundo sentido de viver e proclamar a nossa fé, de sermos Igreja.

BOA CONTINUAÇÃO DESTE TEMPO QUARESMAL.


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