Tudo por Deus e pela Missão


 

150 anos de fundação das Irmãs Franciscanas Alcantarinas

 

17 de julho de 2020:

Ir. Tarcisia Sgarro:

Tudo por Deus e pela Missão

Irmã Maria Tarcisia Sgarro, de batismo Lucia Sgarro, nasceu em Cerignola (FG) em 18 de junho de 1899, filha de Luigi Sgarro e Filomena Mancini. Entrou no noviciado no dia 23 de dezembro de 1926. Fez sua profissão temporária em Roma, no dia 24 de dezembro de 1927 e consagrou definitivamente sua vida a Deus em 5 de janeiro de 1934 no Rio de Janeiro.

Chegou ao Brasil em 30 de julho de 1932 no hospital Gaffrè Guinle, no Rio de Janeiro, juntamente com o grupo das doze primeiras irmãs Alcantarinas. No Brasil, o primeiro destino que lhe foi confiado pela obediência foi o orfanato “Nossa Senhora Aparecida” na cidade de Paty do Alferes – Rio de Janeiro; orfanato que leva o nome da Padroeira do País onde viera movida pelo impulso missionário das primeiras irmãs, em Paty do Alferes. Ali permaneceu como superiora de 1938 a 6 de fevereiro de 1942.

Posteriormente, novamente como superiora de 1943 a 1953, foi transferida para a “Casa das Crianças”, localizada em Vila Isabel, na cidade do Rio de Janeiro. Em 1953, sr. Tarcisia continuou a prestar seu serviço como superiora no “Sanatório Cardoso Fontes”, também localizado na cidade do Rio de Janeiro, em Jacarepaguá, dando assistência às pessoas com tuberculose. Lá ela permaneceu de 1953 a 1968; em 1964, foi eleita delegada no Capítulo Geral.

Em 1968, voltou como superiora ao hospital Gaffrè Guinle, no Rio de Janeiro, casa onde as irmãs iniciaram sua missão no Brasil, até 21 de março de 1969, ano no qual foi nomeada superiora no Instituto “Nossa Senhora da Nazaré”, em Contagem, Minas Gerais. Em 5 de março de 1978, terminou seu mandato como superiora e permaneceu na mesma fraternidade até retornar à casa do Pai no dia 24 de julho de 1983 e, atendendo ao seu pedido, ela foi enterrada na capela das irmãs no cemitério de Itabirito, Minas Gerais.

Testemunho de Ir. Altiva Maria Costa

“Em março de 1969, as Irmãs Franciscanas Alcantarinas chegaram a Contagem – Minas Gerais, no bairro Bernardo Monteiro, hoje, Bela Vista. As Irmãs vieram do Hospital Cardoso Fontes, localizado no bairro Jacarepaguá, Rio de Janeiro, qual elas trabalhavam e administravam.

Eram elas: Superiora Tarcísia Sgarro (era do grupo das doze primeiras Irmãs vindas da Itália para o Brasil), Irmã Cecília Silva, Irmã Maria das Graças e Irmã Adriana. Superiora Tarcísia tinha então 70 anos de idade e 42 de vida religiosa. O que partilho aqui, é o olhar de uma adolescente, é o que eu via, o que eu observava. Quando elas chegaram no bairro, eu tinha 11 anos de idade. Elas não tinham capela em casa, receberam a chave e usavam e cuidavam da Capela Imaculada Conceição e Santa Edwiges ao lado da casa das Irmãs e ali rezavam Laudes e Vésperas, e as 17:00hs rezavam o terço com os leigos da comunidade.

Um dia eu e minhas amigas brincávamos ali abaixo da linha do trem, quando elas terminaram a oração de Laudes, a superiora Tarcísia chegou ali e nos chamou; fomos correndo ao seu encontro e ela pediu-nos para irmos até a casa das Irmãs ajudar na limpeza da casa e dos vidros que se sujaram com o serviço de pintura. Fomos com  ela, que nos deus o material e uma agulha grande para tirarmos a tinta dos vidros. Depois nos serviu um lanche, e à tarde na varanda da casa rezamos o terço. E assim, durante toda a semana trabalhamos e no domingo nos convidou para recreação, jogamos bola, queimada e bingo com prêmios que muito nos alegrou. Elas estavam chegando naquela semana ali no bairro, pois enquanto era preparada a casa elas ficaram na Comunidade de Itabirito.

Era de baixa estatura, uma mulher bonita, de espírito de oração, séria, às vezes sorria com um sorriso bonito, trabalhadeira, exigente, brava ( no sentido italiano , mas também no brasileiro); era muito fraterna e materna com as Irmãs e com as crianças e adolescentes ( pouco tempo após a chegada delas, começaram a chegar as crianças e adolescentes da FEBEM , que eram acolhidas como internas). Sua oração era muito forte e confiante em Deus, era muito devota de Nossa Senhora, São José e depois se tornou também devota de Santa Edwiges. A estes, ela buscava sempre, principalmente nas horas de apuros e dificuldades, e sempre conseguia socorro imediato.Era muito comunicativa e sempre muito agradecida a Deus. Assim, em pouco tempo conseguiu amigos e benfeitores que doavam alimentos, material de construção (em toda grande Belo Horizonte e arredores); Ela com Irmã Cecília (motorista) percorriam de Kombi e transportavam tudo que ganhavam, inclusive, areia, cimento, tijolos etc…

Superiora Tarcísia conseguiu do Governador de Minas – Exmo. Sr. Rondom Pacheco, a liberação de alguns presos  , do presídio de Neves, para construir o prédio para abrigar as crianças e adolescente do internato( hoje residência das Irmãs).

Naquele tempo não tinha sacerdote no bairro, ela com Irmã Cecília procuravam e buscavam padre para celebrar a Eucaristia aos sábados ou domingos.

Aos domingos ali na varanda da casa, ela se sentava com as Irmãs e com as meninas e contava histórias da vida de São Francisco, da Itália, da vida dos Santos, da viagem e das dificuldades da vinda para o Brasil em 1932; falava também das vocações para servir a Nosso Senhor. Todos os domingos à tarde nós recreávamos e ela nos cuidava com o seu olhar materno, mas quando alguém cometia erros ou brigava, ela agia e tirava do recreio; dava broncas fortes que doía até a alma.

Todos os anos ela fazia escrever ( mais ou menos 7.000 cartas) endereçadas a políticos e empresários de todo o Brasil, pedindo ajuda, doação para a Obra da Instituição Nossa Senhora de Nazaré.

Numa tarde de domingo, após a oração do terço, éramos umas treze adolescentes do bairro presentes, ela perguntou: quem gostaria de ser religiosa?  Todas lenvantamos as mãos. Então ela falou bastante da vida religiosa, das alegrias e dos desafios para se consagrar a Deus. Fomos crescendo e eu nunca mais me esqueci daquele sonho e desejo que manifestei. Quando terminei o Ensino Médio, fui até ela pedir o endereço da Madre Ilária Mezina, para fazer o pedido de ingresso na Congregação, ela me deu o endereço e me disse:

… lembre-se que a vida religiosa não é somente mar de rosas, mas tem também os espinhos. Temos que pegar nos espinhos para contemplar a beleza das rosas”.

Enfim, a Superiora Tarcísia era uma mulher de Deus, contemplativa, orante e envolvida na realidade onde o Senhor aplantou. Em louvor de Cristo”.

 

Testemunho de Cecília Ribeiro, OFS

“É Tempo de sentir saudades...

Sim, saudades, porque perdemos uma grande irmã, uma grande amiga e muito mais que isso: Perdemos uma mãe querida. Teu nome: Irmã Tarcísia Sgarro.

Quem foi ela ? E o que ela fez?

Para um grande número de Irmãs (para as mais novas naturalmente…) ela era conhecida apenas como uma das 12 fundadoras da nossa província e que, juntamente com sua companheira irmã Valentina Pepe, possuía a graça de ainda estar viva após tantos anos de atividades no Brasil. 50 anos de lutas! Para as irmãs mais antigas, principalmente para aquelas que, como nós, conviveram com ela e que, dela receberam lições de vida e para a vida, conhecendo-a portanto bem intimamente, ela não significava apenas a figura de uma fundadora.

Não, ela representava muito mais do que isso… Ela era uma religiosa que sabia viver, em plenitude, o seu ideal Franciscano Alcantarino, alguém que lutou, trabalhou, rezou, sofreu, brincou, sorrio, semeou, colheu, brigou, fracassou e venceu e ainda mais: ajudou a servir a tantos quantos dela se aproximaram. crianças, jovens, adultos e idosos e todos encontravam nela a pessoa de uma boa amiga.

Combateu o bom combate, terminou a carreira e guardou a fé ” (2Tm 4,7)

Por detrás de sua pequena estatura, se escondia um enorme coração, coração que, seguindo os impulsos de seu temperamento forte, tornava-se violento e agressivo diante de uma injustiça, de uma incoerência, de um ato impensado e de uma irresponsabilidade. Mas este mesmo coração ficava tomado de emoção diante de pequeninos gestos de bondade e sofria, fraternalmente, com a dor do seu semelhante. Seus olhos pequenos, bem redondinhos, brilhantes, vivos e irriquietos traduziram a energia de quem deseja ver o outro crescer, energia misturada com a doçura de quem compreende que errar é próprio do ser humano. Sua voz era firme decisiva e forte! Com seu linguajar, resultante de uma mistura do italiano com o português, estava sempre pronta a advertir quando alguém ou alguma de suas filhas cometia uma falta, mas também estava sempre disposta a estimular, quando a ela recorríamos para ouvir um conselho sábio e uma palavra amiga! Com uma autoridade de “mestra”, corrigia… Com carinho de “mãe”, perdoava!

Há tempo para nascer e tempo para morrer:

Nascida a 18 de junho de 1899 e morreu em 24 de julho de 1983. 84 anos Bem vividos em Deus e para Deus. “A setenta anos vai a duração de nossa vida, fato notável quando chega a oitenta…” Diz o salmista. E… Ela ainda viveu quatro anos a mais…

Há tempo para chorar e tempo para sorrir:

Hoje chorando por sua perda, amanhã sorriremos na alegria do reencontro.

Há tempo para dar abraço e tempo parar apartar-se:

Nos momentos de intensas emoções experimentados em comunidade, com a comunidade pela comunidade, sempre sentimos o calor do seu abraço, hoje, na triste emoção imposta pela separação, resta-nos o vazio da ausência.

Há tempo para ganhar e tempo para perder:

Durante vários e longos anos ganhamos o presente de sua companhia, hoje sentimos a tristeza de perdê-la.

Há tempo para calar e tempo para falar:

Se, imprudentemente, nos calamos quando deveríamos ter aproveitado todos os momentos para dizer a ela que amávamos muito e que muito a admirávamos quando ainda estava ao nosso lado, cabe-nos falar agora (com a esperança de que onde ela esteja possa nos ouvir) do valor que representava para cada uma de nós, valor que nem sempre demonstrávamos como merecia.

Mas… “tudo tem seu tempo”!

É tempo de deixar bem claro que não queremos transformá-la no monumento frio e estático ou numa pequena relíquia da nossa congregação, como personagem de um passado histórico que não volta mais. Nada disso! Queremos acentuar, através das nossas palavras e dos nossos gestos, a importância do exemplo que ela nos deixou, um belo exemplo de amor e fidelidade Àquele a quem escolheu como esposo, amando e servindo como Franciscana Alcantarina. Foram 57 anos de vida Religiosa, e só um coração pleno de amor é capaz de ser fiel durante tanto tempo. Exemplo a ser seguido e imitado por todas nós que estamos ainda na metade do caminho, daquele caminho que ela soube palmilhar com firmeza e perseverança. É com carinho filial que a ela nos dirigimos com esta mensagem de saudades e gratidão.

Caríssima Irmã Tarcísia, pelo bem que realizou em nossa pátria, o nosso querido Brasil, pelo que a senhora representou, representa e sempre representará para nós, franciscanas Alcantarinas, para que as que estão na Congregação, para as que estiveram e para as que hão de vir, e pelo que representou para todos os seus amigos: Obrigada por tudo e para sempre!

Na “Nazaré eterna”, onde repousa agora, ao lado de Jesus, Maria e José, temos a certeza de que, neste momento, sua alma prostrada aos pés do Criador,  deve estar pronunciando esta oração que a senhora rezava frequentemente aqui na terra : “Vos adoro meu Deus, colocado por mim na cruz. Vos adoro ó Santa Cruz por amor daquele que é meu Senhor.” Com a esperança de que esteja nos ouvindo, queremos pedir-lhe que interceda por nós, rogando a Deus para que aumente o número de nossas vocações e que nos ajude em nossa caminhada por este Vale de Lágrimas,  em busca da perfeição e que, sob a proteção de Maria e à sombra de Francisco e Pedro de Alcântara,  possamos, a seu exemplo, seguir o divino mestre como Irmãs Franciscanas Alcantarinas, sendo como a senhora foi, também fiéis até o fim”.


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